sábado, abril 10, 2010

O País da piada pronta...




Mais do que fazer rir e melhorar um dia de estresse e trabalho, o humor tem feito o cidadão brasileiro chegar a algum lugar. Uma tirinha satírica sobre um governador corrupto, um programa de TV engraçado que polemiza a violência de uma cidade ou uma seção do jornal que faz piada do mais novo aumento salarial dos deputados podem não mudar a realidade do país, mas expõem figuras públicas, afrontam autoridades, atentam a sociedade para os problemas do país e, muitaz vezes, ajudam a melhorá-los pelo alcance social que têm.


Não é a toa que Chico Anysio diz, no prefácio do livro "A alegre história do humor brasileiro", de Jota Rui, que, "se o humor não fosse tão importante, os olhos dos homens grandes (por favor não confundam com grandes homens) não estariam tão voltados à sua vigilância". Mas, afinal, desde quando o riso faz parte do cotidiano brasileiro?



De acordo com Elias Thomé Saliba, historiador da USP e autor do livro "Raízes do Riso", apesar de existirem traços de humor em autores como o poeta Gregório de Matos (1631-1695), o humor brasileiro ganha impacto durante a Belle Époque, no final do século 19, com o surgimento da imprensa moderna.

É nesta época que os registros de humor chegam ao alcance da sociedade e ganham volume nos jornais diários, teatro de revista e em revistas semanais como Fon Fon, Careta, Don Quixote e O Malho, no Rio de Janeiro, e O parafuso, O pirralho e O queixoso, em São Paulo. "Todas as publicações da época destinavam páginas a anedotas, casos pitorescos, fotografias humorísticas e principalmente caricaturas. A música e as marchinhas de carnaval também foram se apropriando disso ", afirma o historiador.

Destacaram-se autores como o publicitário Bastos Tigre, que criou slogans até hoje conhecidos - como "Se é Bayer, é bom" -, Emílio de Menezes e Aparício Torely, na Literatura; K. Lixto, J. Carlos, Angelo Agostini e Raul Pederneiras, na caricatura, e José do Patrocínio Filho e também Bastos Tigre, no teatro de revista.



República e Rádio
Para Saliba, o embalo para grande parte desses produtos humorísticos foi a inauguração da República que, para a maioria da população, significou frustração ao não trazer reais mudanças em relação ao modelo monárquico. "A expectativa criada pelas pessoas não deu em nada e isso gerou uma crise de utopias e, consequentemente, piadas. Já que não é possível mudar o quadro vigente, é melhor rir do que chorar, porque o riso é uma válvula de escape. E essa é a principal ideia do humor até hoje", ressalta.

Outro marco que dimensionou a presença do humor no Brasil foi o surgimento do rádio, na década de 1940. "O rádio precisa de uma linguagem rápida e o humor tem muito dessa característica. Por isso, humoristas como Lauro Borges e Castro Barbosa encontraram seu espaço, especialmente na Rádio Nacional, do Rio, pelo programa PRK-30", conta Saliba.




Um importante humorista que também teve repercussão no rádio foi Aparício Torely, que se autonomeou Barão de Itararé durante a Revolução de 30, embora nunca tenha sido combatente de batalha alguma. Seus discursos como candidato a deputado pelo Partido Comunista, no Rio de Janeiro, eram transmitidos pelo rádio e faziam todos pararem para escutar slogans cômicos de campanha, como "Mais água e mais leite, mas menos água no leite", em alusão ao alto preço do leite na época.

Para Mouzar Benedito, jornalista e autor da biografia "Barão de Itararé - o herói de três séculos", Torely foi um dos grandes humoristas brasileiros e um dos primeiros a ridicularizar a política de forma ousada e contra os que estavam no Poder. "Forte militante do Partido Comunista, mostrou que é possível ser de esquerda sem ser careta e não tinha medo de escrachar suas opiniões ao usar o humor para fazer denúncia. Pode não ter mudado as bases da época, mas apontava os ridículos da política, causava incômodo e influenciou uma geração. O humor do Barão era uma maneira de se vingar de quem detinha o poder. Você me sacaneia, mas eu também sacaneio você", brinca Benedito, que considera a obra dele tão atual a ponto de ser um herói de três séculos, e não de dois - como o próprio ironizava, já que viveu nos séculos 19 e 20.

Torely ficou conhecido por ter escrito para os principais jornais cariocas da época - como A manhã, O Globo e A Última Hora. Mas se tornou notório pelo semanário humorístico A Manha, lançado em 1926 em analogia ao A Manhã. Nele, o humorista fez todo tipo de piada e quase sempre comprava briga com as autoridades. "Se Stanislaw Ponte Preta foi o pai do Pasquim, Barão de Itararé foi o avô", comenta Benedito.



Há quem diga, porém, que Machado de Assis, foi - senão o melhor - um dos melhores humoristas brasileiros. O escritor José Roberto Torero afirma que, ao contrário do humor de Torely, o humor de Machado não era engajado. Em seus livros, principalmente em "Memórias póstumas de Brás Cubas", ele usa um humor psicológico, que surge da insvestigação da alma das pessoas, não de trocadilhos. Já nas cronicas - Machado escrevia crônicas para vários jornais cariocas, entre eles A Semana, onde foi colunista de 1860 a 1876 - as piadas eram mais expícitas e envolviam temas como os costumes e fatos da época e gramática.

"Machado fazia sátiras inteligentes e mostrou que é possível fazer humor também no romance. Para a época, ele era vanguardista, as pessoas não estavam preparadas para seu tipo de humor. Hoje é mais bem compreendido e é citado por outros humoristas, inclusive nos meus livros", diz Torero.




Certamente, a vida de Grande Otelo não daria só um romance. Daria um documentário de algumas horas, se fosse o caso de levantar todos os pequenos e grandes pormenores de sua vida. Chamava-se Mário Prata, mas como tal era pouco ou nada conhecido. Quem lhe deu esse apelido, Grande Otelo (naturalmente referindo-o ao personagem trágico shakespeareano), acertou na mosca. Calhou-lhe como uma luva.

Otelo fez de tudo na vida artística: foi ator de cinema, de teatro, de circo, de rua. Imitou e foi imitado. Era um dos maiores artistas de seu tempo, assim reconhecido por toda a crítica ou por amigos próximos ou distantes.

Orson Welles quis introduzí-lo num filme, quando esteve no Brasil para esse fim. O filme acabou não saindo. Num dia de astral baixo, Welles jogou todo o mobiliário de seu quarto no Copacabana Palace dentro da piscina, o que deu muito o que falar à época. No dia seguinte, pegou as bagagens e voltou à América. Mas foi grande amigo de Otelo, em que descobriu raro talento de ator.

Otelo teve alguns momentos no cinema, ao lado de Oscarito, que era cômico no palco, mas nunca vi ninguém mais sisudo em particular. Otelo revelava uma queda para o trágico. No amor deve ter tido vários casos com mulheres teve altos e baixos, mais baixos do que altos. Desenvolveu uma paixão, certa feita, que quase o levou ao suicídio. Mas os amigos o socorreram. Não houve muitos artistas de seu talento ou com sua marca de grandeza. Valia sozinho um show.

Ainda não houve um levantamento sério sobre Grande Otelo, o que já era tempo de ser feito. Mas quem se incumbirá dessa tarefa?


Sem definição
Mas, com tantos nomes e estilos no humor brasileiro, é possível defini-lo? Segundo Saliba, a generalização e a criação de estereótipos é inerente ao próprio humor e não acontece apenas no Brasil. No entanto, aqui isso é acentuado porque, para sobreviver em uma sociedade mal costurada, o brasileiro usa a "ética emotiva", conceito abordado no livro "Raízes do Brasil", de Sérgio Buarque de Holanda, por meio do qual um indivíduo trata os fatos cotidianos com o sentimento. "Humor é emoção, é um espelho da sociedade, só que gera um reflexo distorcido, pelo lado grotesco da própria condição humana. Mas, no Brasil, isso é ainda mais presente porque o brasileiro trata tudo com a emoção".

Embora, de acordo com o historiador, não seja possível definir um humor genuinamente brasileiro, Saliba acredita que haja uma linguagem humorística brasileira, já que o humor está historicamente ligado à linguagem de um povo. "No nosso caso, é um humor com tom de pimenta maliciosa, 'abaixo da cintura', que tenta, com isso, diminuir os conflitos. Se você ri, você se distancia do problema. Por isso, o senso comum de que o Brasil é o país da piada pronta


Fonte:
http://br.noticias.yahoo.com/s/09042010/48/entretenimento-brasil-se-tornou-pais-da.html

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