segunda-feira, novembro 12, 2007

SER ou TER, eis a questão..


Com o fio de vida que ainda nos resta, vemos testada nossa inteligência: seremos capazes de evoluir, como gestores, educadores, comunicadores, consumidores e cidadãos planetários?

Vivemos tempos de redefinições. Valores e conceitos que nos orientaram por mais de três séculos começam a perder o sentido e são reinventados pelo chamado da sobrevivência.    O que era antes considerado sucesso, pela competência e eficiência tecnoprodutiva, hoje vai para a berlinda.

Vemos destruídas as nossas ilusões de viver para trabalhar, ganhar e consumir.   Consumimos tanto que estamos sendo consumidos pelo excesso, aquele que polui nossas vidas e se transforma em lixo psíquico.

Entramos no vício de possuir e nos esquecemos de nos relacionar com aquilo que possuímos. Perdemos a capacidade de contato com o que possuímos, como afirma o filósofo da comunicação Evandro Ouriques, e passamos a querer cada vez mais, sem mesmo sentir ou tocar aquilo que nos pertence.  

 Promovemos o crescimento e fomos tragados por ele.     Hoje a riqueza se redefine: é segurança, saúde, tempo para se divertir e conviver, sentir o cheiro da grama molhada, apreciar a riqueza das coisas mais simples, descomplicar.     Estamos buscando resgatar os sentidos em tudo o que fazemos.

Nossa inteligência está sendo testada pela própria capacidade sapiente que temos de sobreviver.  Fomos seduzidos pela idéia de que ser alguém na vida é ganhar.   Suprimimos a força essencial de sermos alguém para a vida.       Fomos enganados, nos enganamos.     De tanto querer produzir, ganhar e acumular, nos vemos diante da ameaça de não termos mais água para beber, ar puro para respirar e recursos naturais para se alimentar com segurança.

 Na ordem psico-social, o deslocamento de quem possui daquilo que é pertencido é responsável por doenças pós-modernas já catalogadas, como, por exemplo, a neofilia, a compulsão insaciável pelo novo, e o infostress, colapso mental provocado pelo excesso de informação.


Pesquisas recentes revelam que 45% das crianças, principalmente as meninas, têm como principal preocupação a estética, o culto ao corpo e o medo de engordar.   A segurança está em primeiro lugar (72%) na lista das preocupações infantis, o medo tomou o lugar da fantasia.  

 Em apenas 50 anos, a economia global cresceu cinco vezes.   O consumo de água, grãos e carne triplicou, o consumo de papel aumentou seis vezes.     Segundo os últimos relatórios do IPCC (International Panel on Climate Change), a emissão de gases provenientes de combustíveis fósseis e a emissão de carbono têm se multiplicado num ritmo assustador.     Assistimos a uma colisão entre os valores remanescentes da Revolução Industrial - o uso irrestrito da tecnologia na exploração de recursos naturais para o rápido crescimento da produção - e os recursos limitados da biosfera.

Esse conflito de meios e fins está dando lugar a um sistema de valores e crenças totalmente novo, marcando um importantíssimo momento de mudança na relação com o que se tem e o que se faz.   Estamos pagando o preço pelo hiperconsumismo, submersos em paradoxos sem precedentes na história: esse é o mundo em que 500 mil crianças morrem de fome ao mesmo tempo em que 500 mil pessoas morrem de doenças causadas pela obesidade nos Estados Unidos.     Doenças por excessos alimentares convivem com a fome e a miséria; o hiperconsumismo de 20% da população gera a abstinência dos outros 80%.

 Pensamos que a natureza nos pertencia.    Tiramos quase tudo dela, nossas mentes foram colonizadas pelo signo do consumo, fomos coroados como os reis do mercado, e agora a própria natureza nos alerta com seus gritos sistêmicos de exaustão, depredada de seus recursos e sufocada pelo aquecimento global.



Mesmo para os que ainda não despertaram para a necessidade de mudar, a leitura dificilmente passa despercebida.      Ela prende, captura e seduz pela precisão com que tece a lógica dos novos valores. Em vez de adotar o confronto, os autores, com agudeza e sensibilidade, pegam na mão de quem se deixar levar por orientações práticas sobre o viver simples.     Qualidade de vida é o que importa.    Eis aqui um manual completo de reengenharia da vida.      O que fazer já sabemos.     Resta saber como fazer, por meio de uma leitura agradável e transformadora como esta.

 Texto original publicado como Introdução à versão brasileira do livro Dinheiro e Vida de autoria de Vicki Robin e Joe Dominguez, lançado recentemente pela Editora Cultrix.

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