sexta-feira, maio 27, 2011

A REVOLUÇÃO DE 1964 E SUA INFLUÊNCIA NO MODELO POLICIAL BRASILEIRO



Neste último século, houve uma articulação íntima entre as polícias latino-americanas e norte-americana, ferindo a soberania nacional dos países da América Latina – principalmente a polícia política, voltada à repressão da luta pela democracia, pelo progresso e pela afirmação nacional. Articulação feita, muitas vezes, à margem das leis e mesmo do conhecimento dos governos envolvidos. Este é o tema do livro Polícia e política: relações Estados Unidos/América Latina, da professora norte-americana Martha K. Huggins, publicado no Brasil pela Cortez Editores. Nele, o estudo das relações entre policiais brasileiros e norte-americanos tem grande destaque.

A ingerência do exército nas instituições policiais no Brasil foi grande, entretanto, interesses internacionais também fizeram com que as polícias fossem afastadas da população e agissem sob outras diretrizes.

Com o golpe de estado de 1964, a principal mudança se constituiu no comando das polícias militares, que passou a ser exercido por oficiais do exército brasileiro. Extremamente danoso para a sociedade tal fato configurou uma atenção maior das polícias às matérias atinentes à defesa interna e segurança nacional, em detrimento da missão precípua dos órgãos policiais que é a segurança pública.





A influência norte-americana na difusão de ideologias, através da OPS – Office of Public Safety-, Seção de Segurança Pública em português, configura-se como um divisor de águas nas mudanças que se sedimentaram nas polícias brasileiras. Isso ocorre em virtude da guerra ideológica travada no mundo bipolar, pelos Estados Unidos e a União Soviética.

A ideia desenvolvida por "intelectuais norte-americanos" de que em países em desenvolvimento industrial haveria mais condições para o surgimento do comunismo, gerou estratégias para uma solução que impedisse o avanço comunista e possibilitasse o contínuo desenvolvimento.



A solução encontrada pelos estudiosos foi trabalhar na antiinsurreição, contra a guerrilha e o terrorismo. A doutrina americana difundia a teoria de que as medidas militares por si só não seriam eficazes no combate aos guerrilheiros comunistas. A aspiração norte-americana era tornar as polícias estrangeiras linhas de defesa contra o terrorismo.

Em âmbito internacional a OPS servia como fachada para que agentes da CIA – Central Intelligence Agency - ministrassem cursos aos policiais estrangeiros. Os cursos tinham duração de algumas semanas.



O objetivo dos cursos era ensinar "técnicas de vigilância e coleta de informações, procedimentos de interrogatório, métodos de realização de batidas, e controle de motins e de multidões". Alguns cursos eram ministrados em território americano, porém a maior parte do assessoramento ocorria nos países de origem dos policiais.

Na verdade se pretendia que com os cursos ministrados os policiais fossem capazes de identificar e neutralizar manifestações, desordens, motins, enfim, detectar atividades de militantes subversivos.

No Brasil, por exemplo, foi ministrado um curso um ano após a revolução de 64, no Estado do Paraná, e contou com a presença de Delegados de Polícia e Oficiais Superiores da Polícia Militar, sobre o desenvolvimento da insurreição no Vietnã do Sul e as operações contra ela.



O controle das polícias, que no Brasil já possuía a característica de ser fortemente centralizado, foi ainda mais endurecido. Em março de 1967, o Decreto-Lei 317, submeteu as polícias militares ao comando de oficiais do exército brasileiro, conforme já mencionado. Por trás dessas ações estavam os consultores da OPS, que ajudaram a redigir e implementar a lei, com o intento de centralizar o sistema policial brasileiro, para torná-lo mais eficaz contra a subversão, afastando-o das influências estaduais e dos assuntos locais.

O exército desejava o controle das Polícias Militares, com receio de que acontecessem fatos assemelhados àqueles que ocorreram, quando em 1964 os Governadores da Guanabara e Minas Gerais puseram suas tropas de segurança às ruas a serviço dos opositores de João Goulart. As forças policiais eram importantes demais para que se corresse o risco de serem controladas pelos opositores do regime.

O decreto-lei 317 delimitou e restringiu a competência das polícias militares e civis. Após o seu advento os policiais militares passaram a exercer o policiamento ostensivo preventivo e repressivo nas ruas, enquanto que os civis ficaram com as investigações criminais. Anteriormente as competências não estavam tão bem delimitadas.

Desde o início da implementação de forças de segurança no Brasil, sempre se optou por um modelo militar, calcado em disciplina e hierarquia, com forte atrelamento à força armada terrestre.




Este modelo, importado como se viu da pátria mãe Portugal, é francês. No Brasil, assim como na França serviu para fins políticos. A dificuldade brasileira foi ainda maior do que a francesa em garantir a unidade territorial de um Estado continental. Não se pode desprezar a grande vantagem que o modelo policial militar legou à sociedade brasileira, na garantia de unidade nacional e na defesa territorial. Contudo isso também é reflexo de forças armadas deficientes.

O fato é que as alterações decorrentes da Revolução de 1964 transformaram as instituições policiais do país. É possível afirmar que os policiais militares foram afastados da população. Passaram a ver os cidadãos como inimigos em potencial. A atuação passou a ser primordialmente no campo da defesa do Estado em detrimento da defesa do cidadão.

3 – A REALIDADE ATUAL: "MEIAS POLÍCIAS"

O regime militar fez mais do que afastar os policiais militares das comunidades. Criou divisões profundas entre as polícias civil e militar. Razão pela qual passou a existir no Brasil duas grandes "meias polícias".

A Polícia Militar é uma polícia ostensiva. Atua fardada, possui viaturas caracterizadas e é eminentemente preventiva. Ela caracteriza-se também por ser administrativa. A polícia civil, por outro lado é judiciária, tem como característica principal o fato de atuar no pós-delito, constituindo-se em uma polícia repressiva.



Hoje, a sociedade espera que a polícia seja capaz de atender às suas demandas. O cidadão que teve algum bem subtraído não espera que uma polícia venha à sua casa, constate que se trata de uma situação de pós-delito e encaminhe esse cidadão à outra polícia para que esta tome as providências cabíveis ao caso. É um contra-censo para qualquer pessoa.

Sobre o estudo

Martha Huggins é velha conhecida dos brasileiros, ela estuda nosso país há mais de 20 anos, e já lecionou na Universidade Federal de Pernambuco, na Universidade de Brasília e na Universidade de São Paulo. Atualmente, é professora titular de sociologia do Union College (Schenectady, Nova Iorque).

Seu livro é um retrato contundente da promiscuidade entre agentes policiais dos vários países envolvidos, e dos atentados contra a segurança pública e contra a soberania nacional. Há uma verdadeira comunidade repressiva, cuja ação muitas vezes passa ao largo da legalidade, e mesmo do conhecimento dos governos dos países que participam de programas de treinamento patrocinados pelo governo dos Estados Unidos.

E mais enfatiza ela, não se trata apenas de coisas ocorridas no passado, ao contrário do que se pensa, hoje recursos de todo tipo são usados nesses programas, e são muito maiores do que os empregados na década de 1960.



Como eliminar a violência policial?

Martha Huggins:

Tem de se eliminar a pobreza. Há relação entre crime e miséria. A miséria leva a polícia a fazer coisas que não seriam de sua atribuição. A presença da polícia acaba sendo necessária para o controle político dos pobres, para “limpar” consequências da desigualdade social.

Resolver a questão da distribuição da renda, que levaria à superação dos problemas, só será possível com política ampla. Por mais que a ação policial se dê, não atinge a raiz da questão, e o papel da polícia acaba sendo uma ação política às avessas do que deveria.


fontes:
http://www.grabois.org.br/portal/cdm/revista.int.php?id_sessao=50&id_publicacao=154&id_indice=1020

livro:
HUGGINS, Martha K. Polícia e Política: relações Estados Unidos/ América Latina. São Paulo: Cortez, 1998.

Um comentário:

Unknown disse...
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