sexta-feira, maio 28, 2010

Mais um cala a boca na sociedade



“Estamos dando o caminho para que as empresas, com seus técnicos e com apoio valiosíssimo da Anatel e do Ministério das Comunicações, possam concluir por um sistema que vai poder atender a necessidade brasileira”. Com este discurso, Hélio Costa despediu-se do Ministério das Comunicações em 30 de março, anunciando a publicação de uma portaria que instituiu o Sistema Brasileiro de Rádio Digital (SBDR).

A ênfase nas empresas de comunicação como únicos atores a serem considerados no processo, presente na fala do ex-ministro, é o principal motivo que levou diversas entidades da sociedade a divulgarem uma Carta Aberta (ler aqui http://www.intervozes.org.br/sala-de-imprensa/agenda/20100430_cartaradiodigital.pdf) pedindo participação de toda a sociedade e maior controle social sobre o processo.



Além disso, a instituição do SBDR por meio de uma Portaria Ministerial, e não de um Decreto (como foi com a TV digital), demonstra como o tema não está recebendo a devida importância dentro do governo. Uma mudança desta magnitude, em um veículo da importância do rádio, que está presente em 88,9% dos lares brasileiros, não pode ficar restrita apenas ao Ministério das Comunicações. O tema envolve, necessariamente, políticas de desenvolvimento tecnológico, educacionais e, claro, culturais. Entre outras.

A fala do ex-ministro em sua despedida apenas ratifica a preocupação dos movimentos sociais com um processo açodado e sem participação social de implantação do rádio digital.

Se não houver uma ampla participação da sociedade, serão as emissoras comerciais que decidirão o melhor padrão ou sistema. O melhor para elas. Essa, porém, é uma decisão que cabe à toda sociedade e não apenas aos empresários de comunicação.



O que diz a portaria

Muito pouco. A portaria tem o mérito de criar oficialmente o Sistema Brasileiro de Rádio Digital, reivindicação de alguns movimentos sociais. Mas simplesmente não indica quais serão os meios para implementar a política.

A primeira parte da portaria é muito similar ao Decreto 4.901/03 que instituiu o Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), estabelecendo diretrizes que, apesar de positivas, são genéricas e pouco práticas. E fica por aí. Não define instâncias, cronograma, método, muito menos envolve outras áreas do governo.

Testes com apenas dois padrões estrangeiros

Na história das comunicações, não são raros momentos de padronização de determinados serviços com base em uma tecnologia específica. Foi assim com a internet (IP), com a TV digital (ISDB) e agora será com o rádio.

No Brasil, foram testadas apenas duas normas de rádio digital: o HD Radio (também conhecido como IBOC), padrão proprietário da empresa estadunidense iBiquity , e o DRM (Digital Radio Mondiale), de origem europeia, cujos testes estão sendo realizados em escala muito inferior ao IBOC e sequer foram concluídos.

Entretanto, além de existirem outros padrões, alguns com potencialidades técnicas interessantes, outros com experiência em diversos países, o debate se restringiu àqueles dois padrões e envolveu apenas emissoras e técnicos, não chegando de fato à população.

Decisão apressada: TV digital ainda não se tornou realidade

Uma decisão precoce pode acarretar em baixa penetração do serviço, reduzido interesse da população e ausência de políticas públicas no sentido de maximizar a inclusão digital e os serviços públicos. São os mesmos alertas feitos em 2005 e 2006, durante a escolha do padrão de televisão digital.

Quatro anos após o Brasil ter batido o martelo em relação ao padrão japonês de TV, o serviço não chegou às casas dos brasileiros. É a reprise do mesmo filme, só que agora com o rádio.



Listamos, abaixo, alguns motivos para o governo brasileiro não apressar a escolha do padrão de rádio digital, antes da realização de debates junto à sociedade e estimular a pesquisa nacional:

- Apenas dois padrões foram testados

Os testes do rádio digital obedeceram ao interesse das emissoras. A partir de 2005, estações realizam experimentos com o HD Radio, o preferido dos empresários da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão). No mesmo ano, a extinta estatal Radiobrás promoveu experimentos com o DRM, tecnologia desenvolvida a partir de um consórcio de empresas públicas de comunicação da Europa. E ficou nisto.

Entretanto, existem outras normas internacionais que não foram testadas, como o DAB (presente na Inglaterra e Portugal, entre outros), o FMeXtra (EUA, Holanda e Bélgica), o DMB (Coreia e França) e o ISDB-TSB ou NISDB-T (adaptação do padrão japonês de TV digital para radiodifusão sonora).

- Mudança no Ministério não é fator determinante

Não se pode utilizar a saída de Hélio Costa do Ministério das Comunicações, que deixou a função para concorrer a um cargo eletivo em seu estado, como motivo para apressar a definição sobre o padrão de rádio. Se o mesmo ocorrer, será uma herança maldita para a sociedade, já que não há maturidade técnica e política para tal decisão.

– TV Digital ainda não decolou

Em 2006, o governo brasileiro bateu o martelo em torno do padrão japonês de TV digital. Na época, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, prometeu uma rápida transição e a venda de conversores a baixos preços (cerca de 100 dólares). Mas, o que se vê são poucos e caros receptores à venda e uma baixa adesão por parte das pequenas e médias emissoras. Além disso, há um desrespeito da regra de multiprogramação, a qual só é permitida às emissoras públicas. Já existem grupos de comunicação utilizando seus novos canais exclusivamente para vender produtos e horários a terceiros.

Com o rádio digital, uma nova pesquisa poderia ser feita, mobilizando o campo acadêmico, desenvolvendo tecnologia nacional e atendendo às necessidades da sociedade.

- Nenhum dos padrões de Rádio Digital apresenta experiência consolidada no mundo

– Adotar dois padrões distintos é irresponsabilidade

Foi levantada a possibilidade de o Brasil adotar dois padrões de rádio digital: um para ondas curtas e outro para a faixa de frequências onde atualmente estão as emissoras AM e FM.

Esta atitude geraria insegurança entre os usuários e entre a indústria, que enfrentaria dificuldades em definir prioridades de investimento.

- Rádios comunitárias não participaram do processo

O Rádio Digital deve ser encarado como um novo serviço de radiodifusão e não como uma atualização tecnológica. A digitalização permite um melhor aproveitamento do espectro eletromagnético. A multiplicação de canais de frequência é a oportunidade para novos atores participarem das comunicações de massa.

Para o cumprimento da complementaridade constitucional, estas novas concessões seriam divididas de acordo com o critério da Conferência de Comunicação entre estações públicas (40%), privadas (40%) e estatais (20%).

O Rádio digital não pode reforçar o atual latifúndio eletrônico. Ao contrário, deve servir para mudar essa realidade.

Fonte:
http://www.direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com_content&task=view&id=6670

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