terça-feira, setembro 23, 2008

O PALÁCIO DA INOCÊNCIA



Na entrada do prédio da Câmara Municipal de São Paulo, as três atendentes que recebem os visitantes se contradizem e se confundem, para enfim concluir que não sabem onde fica. Não é culpa delas: a corregedoria da Câmara não existe fisicamente. Não tem sala, computador, arquivo, mesa ou telefone. Também não tem e-mail ou página na internet. Assim, ninguém na Câmara consegue dizer onde funciona esse setor encarregado por lei de zelar pela ética e pelo decoro dos 55 parlamentares da Casa.

No gabinete do vereador e corregedor Wadih Mutran (PP), no sexto andar, a secretária diz que a corregedoria existe, sim, sem dúvida, em alguma sala do segundo andar. Após bater de porta em porta, descobre-se que na verdade o que existe é uma pessoa, o servidor Fernando Aruta. Mas ele trabalha na corregedoria eventualmente, como voluntário não remunerado, já que seu cargo é o de secretário das Comissões Extraordinárias e Temporárias da Casa. São 11 ao todo.

Dignidade dinamarquesa

Sua tarefa é "zelar pela preservação da dignidade do mandato parlamentar e pela observância aos preceitos de ética e decoro parlamentar". A julgar pelo ritmo dos trabalhos da corregedoria, os vereadores paulistanos tem dignidade dinamarquesa, ética finlandesa e decoro neozelandês --os três países mais bem avaliados, empatados, no índice de percepção de corrupção da Transparência Internacional de 2007.
Nenhum vereador foi punido nos últimos cinco anos e nenhum relatório produzido na corregedoria recomendou cassação. A absoluta maioria das denúncias que chegam são rejeitadas ou arquivadas sem relatório. O corregedor estima que "entre cinco e oito" denúncias, nos últimos três anos, redundaram em relatórios.

Depois de nove meses vazios em 2008, a corregedoria só nesta semana realizou a primeira reunião de trabalho do ano. Para analisar a situação da vereadora Soninha (PPS), candidata à prefeita, que em sabatina no jornal "O Estado de S. Paulo" sugeriu que seus colegas não são tão dinamarqueses.

Wadih Mutran, 72, vereador há 26 anos consecutivos, foi escolhido corregedor no final de 2004 e passou a ocupar o cargo em janeiro de 2005. Os vereadores resolveram mudar a lei para permitir que ele fosse eleito ano após ano. A resolução três, baixada pela Mesa da Câmara em 15 de dezembro de 2006, revogou o inciso III do artigo 4º da resolução original, que permitia somente uma reeleição para o mesmo cargo na mesma legislatura.

O próprio presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Antonio Carlos Rodrigues (PR), sofreu no STJ (Superior Tribunal de Justiça) a terceira derrota no curso da ação de improbidade em que foi condenado à perda dos direitos políticos por seis anos. Os tribunais superiores do país devem concluir o julgamento do processo nos próximos meses. Rodrigues, que concorre à reeleição, terá o mandato cassado caso a punição seja mantida.

Mutran foi reeleito para o cargo de corregedor-geral em 2006 e 2007 e é acompanhado de seis corregedores. Na entrada da sua sala, ostenta um retrato dos anos 90 de apoio ao candidato Paulo Maluf (PP), um ídolo do vereador. No canto do retrato, um de seus mandamentos: "Fidelidade".

http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u441241.shtml

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